Há limitação ao poder de emendar projetos de iniciativa do Poder Executivo, a fim de evitar aumento de despesa não prevista inicialmente ou então a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática, seja ainda pela alteração extrema do texto originário.

Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de uma lei municipal de São Paulo, de iniciativa do Executivo, que concedia o uso de um imóvel na avenida Nove de Julho para a Associação dos Amigos do Museu Judaico de São Paulo.

Na ação, a Procuradoria-Geral de Justiça disse que emendas parlamentares foram acrescentadas à norma sem qualquer relação com a temática original, “modificando diversas leis municipais e tratando de matérias totalmente diferentes, cuidando, ainda, de matéria cuja iniciativa é privativa do Poder Executivo”.

As emendas impugnadas tratavam, por exemplo, da privatização de terminais de ônibus e de regras para concessões e permissões de serviços, obras e bens públicos que estavam previstas no âmbito do Plano Municipal de Desestatização. Ao TJ-SP, a Câmara de Vereadores defendeu a pertinência das emendas com o texto original por entender que todos os dispositivos tratavam de concessões à iniciativa privada.

Não foi esse o entendimento do relator, desembargador Alex Zilenovski. Para ele, as emendas não tinham relação com o projeto enviado pela prefeitura, que tratava apenas da concessão de uma área do município ao Museu Judaico. “Não se encontra presente, pois, a necessária pertinência temática entre o projeto original e o assunto trazido por meio dos substitutivos/emendas, tratando-se, dessa forma, da prática que se denomina ‘contrabando legislativo'”, disse.

De acordo com o desembargador, o poder de emenda não é ilimitado, sendo vedado à Câmara Municipal incluir modificação a um projeto de lei de iniciativa do prefeito que implique aumento de despesas (artigo 24, § 5º, item 1, da Constituição Estadual) ou que não guarde relação com a proposição original.

“O fato de se tratar de emendas autorizativas, conforme alegado pela Câmara Municipal, que poderiam ensejar novas fontes de receita ao município de São Paulo, não afasta a inconstitucionalidade dos artigos por ausência de pertinência temática”, completou o relator, também apontando interferência do Poder Legislativo na organização, administração e gestão do patrimônio público municipal.

Zilenovski afirmou ainda não ser aplicável ao caso o Tema 917, do Supremo Tribunal Federal, “de maneira que a observância à pertinência temática era mesmo intransponível”. Além disso, disse que o fato de o prefeito ter sancionado a lei mesmo com as emendas não afasta a inconstitucionalidade. Por fim, ele votou para modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

“Dessa forma, há que se preservar os atos já efetivados com base nas normas declaradas inconstitucionais, com o escopo de resguardar a segurança jurídica e o excepcional interesse social no caso concreto. A não modulação dos efeitos, no caso concreto, poderia ensejar à municipalidade consequências indesejáveis e, quiçá, prejuízo ao erário e à população”, finalizou o magistrado. A decisão foi unânime.