Nos litígios coletivos que tratam de posse de imóveis, o Judiciário deve designar audiência de mediação antes de conceder liminar, caso a disputa tenha sido iniciada há mais de um ano.

O entendimento é da 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que derrubou liminar que permitia o desalojamento de vulneráveis rurais ocupantes da Fazenda da Ponte, local que passa por disputa possessória desde 1999.

No caso concreto, o juízo de piso deferiu pedido formulado pelos herdeiros do imóvel autorizando a demolição imediata de casas construídas pelos ocupantes; a venda de gados presentes na propriedade; e a suspensão de obras já em andamento.

Ao reformar a decisão, o TJ-RJ considerou que o Judiciário não pode conceder liminar em litígios coletivos sobre posse quando o conflito foi iniciado há mais de um ano. Nesses casos, é necessária audiência de mediação antes de decisões interlocutórias de reintegração. A previsão está no artigo 565 do Código de Processo Civil.

“A autorização, desnecessária, para arrendamento de parte da área objeto do litígio não tem o condão de subtrair tal área do juízo possessório, a quem compete decidir sobre manutenção ou reintegração da posse, liminarmente, se se tratar de posse nova. Desse modo, é prematuro considerar que estão presentes os requisitos para a concessão da liminar, notadamente em razão da ausência de audiência de justificação visando à colheita de maiores esclarecimentos para a análise do pedido”, disse em seu voto o desembargador João Batista Damasceno, relator do processo.

O magistrado também citou a Recomendação 90/2021, do Conselho Nacional de Justiça, que pede cautela do Judiciário em conflitos que versam sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período de epidemia do novo coronavírus.

Por fim, o juiz disse ser descabido trecho da liminar que autoriza os herdeiros da fazenda a vender o “gado abandonado” dos ocupantes. “A existência de gado na área alegada remanescente é indício de prova de que tal área igualmente estava ocupada pelos réus. Não há que se falar em ‘gado abandonado’ em área objeto de litígio possessório.”

Ocupação
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro recorreu da liminar, pedindo que o TJ reformasse a decisão de piso. A instituição atuou como “custos vulnerabilis“, ou “guardiã dos vulneráveis”, defendendo cerca de 100 famílias que vivem na fazenda desde 1999.

O custos vulnerabilis  decorre do artigo 554, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, pelo qual a Defensoria deve ser intimada em casos envolvendo pessoas em situação de hipossuficiência econômica, e ainda  do artigo 4º, XI, da Lei Complementar 80/1994, vinculando a instituição à defesa dos vulneráveis em geral. A tese foi criada pelo defensor público do Amazonas Maurilio Casas Maia.

A ocupação de parte da fazenda ocorreu em 1999. Pouco depois ficou decidido que 20% da área ficaria com os ocupantes e 80% com os herdeiros do imóvel.

Em 2019, uma nova ação foi proposta afirmando que os ocupantes teriam ultrapassado sua área. Ao julgar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio disse que isso não ficou devidamente evidenciado.