O titular da serventia tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de danos decorrentes dos serviços notariais ou registrais.
Esse foi o entendimento da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao confirmar a condenação de um tabelião pela lavratura de uma escritura de compra e venda de um imóvel mediante apresentação de documentos falsos. A indenização por danos morais foi arbitrada em R$ 30 mil.
De acordo com os autos, os proprietários só tomaram conhecimento da venda fraudulenta do imóvel meses depois após a lavratura da escritura pública pelo tabelião réu. Eles tiveram que ingressar com ação de reintegração de posse e, depois, buscaram indenização por danos morais e materiais contra o tabelião.
Ao recorrer da sentença, o tabelião citou precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 842.846, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 777), no sentido de que a ação deveria ser proposta contra o Estado, em função do serviço delegado.
Conforme o desembargador Márcio Boscaro, relator, no modelo adotado no Brasil, a função notarial e de registro público é reservada à figura do notário e oficial de registro particular, em colaboração com o Poder Público, que detém o poder-dever de conferir a autenticidade e a fé pública a documentos, assinaturas e declarações de vontade.
“Trata-se de serviço público exercido em caráter privado, em razão de delegação constitucionalmente prescrita (artigo 236 da Constituição). No julgamento do RE 842.846, em regime de repercussão geral, decidiu a Suprema Corte pela possibilidade de responsabilização objetiva do Estado quanto aos atos dos tabeliães e dos registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros”, disse.
No entanto, prosseguiu o magistrado, não foi discutido pelo STF, no Tema 777, a imprescindibilidade (ou exclusividade) de acionamento prévio do Estado em ações indenizatórias por atos de tabelião ou de registrador oficial. Assim, é permitido à parte a escolha direta do próprio delegatário de serviços para compor o polo passivo da lide, como ocorreu no caso em questão.
“Portanto, não prospera a arguição de ilegitimidade passiva, pouco importando, para essa conclusão, a condição de interino, ostentada pelo apelante, à época dos fatos, pois, na condição de preposto designado pelo Estado, era inegavelmente a pessoa responsável pela aludia serventia judicial, bem assim pele efetiva regularidade dos atos ali praticados.”
Boscaro também não acolheu o pedido de aplicação do parágrafo único do artigo 22 da Lei 8.935/94, pois o ato viciado foi praticado em 2014, anteriormente à Lei 13.286/16, que consagrou a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores em relação aos danos decorrentes dos atos praticados no exercício das suas funções: “A lei nova não pode retroagir para alcançar os atos anteriormente praticados”.
Para o relator, os danos morais ficaram comprovados, sendo inegável o transtorno sofrido pelos autores que, “em decorrência da grave e negligente conduta do apelante”, precisaram contratar advogado e ajuizar demanda judicial, “sujeitando-se a longo trâmite processual, com vistas a reaver bem imóvel que legitimamente lhes pertencia”.