Por Paulo Sergio João

Os novos tempos decorrentes das transformações tecnológicas já sinalizavam a necessidade de revisão no conteúdo das relações de trabalho e, cada vez mais, a proteção clássica do Direito do Trabalho se mostrava fragilizada. Com a pandemia da Covid-19, desde o início de 2020 fomos empurrados à criatividade para sobreviver diferentemente.

As relações de trabalho neste período de pandemia aguçaram o que se já se debatia há algum tempo: precarização de mão-de-obra, exclusão de trabalhadores do mercado formal e, no limite, como sair do modelo de subordinação típica e encontrar outras modalidades de prestação de serviços sem o abandono de mínima garantia de cobertura social.

A pandemia, ao lado das tristes notícias de mortes e de falta de responsabilidade política no seu enfrentamento, aumentou ainda mais o desemprego, o trabalho informal cresceu e nos encontramos numa passagem histórica das mais cruéis nas relações de trabalho e, se a história se repetir, a saída será para ampliar a proteção social.

O modelo clássico de empregado e empregador cedeu lugar à insegurança econômica para todos e a cada dia a desigualdade se agiganta na sociedade, e parece não ter fim.

As saídas e soluções existem e as iniciativas, embora nem sempre espontâneas, dependem de bom senso e de responsabilidade na vida que se pretende em sociedade mais justa.

A propósito de nossa reflexão, o sítio do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região publicou em 21 de dezembro passado notícia de acordo em ACP (Proc. nº 1000405-68.2020.5.02.0056) que tramitou perante da 56ª Vara da Justiça do Trabalho de São Paulo. Não se discutem direitos trabalhistas, mas forma de proteção e de enfrentamento da pandemia da Covid-19.

O que merece destaque é que a ação e o acordo fogem de condições usuais, cujos focos se dividem entre a aplicação da legislação trabalhista no vínculo de emprego ou se a relação de trabalho deve ser excluída no campo das normas da CLT. Tratou-se da seguinte manchete: “Rappi e MPT firmam acordo para garantir assistência aos entregadores da plataforma durante a pandemia”.

À primeira vista, poderia imaginar-se que o acordo firmado se destinaria a empregados e que, portanto, a relação de entregadores de plataforma teria sido reconhecida como de emprego, supostamente a única a gerar obrigações para o empregador.

Ao contrário. A atuação do MPT ocorreu justamente para fixar regras de prevenção contra a pandemia, com foco especial na proteção da saúde dos entregadores, inclusive com auxílio financeiro.

O mérito dessa modalidade de atuação e seu resultado são o caminho pelo qual se orientou a busca de solução sem ter de discutir primeiro a condição de emprego e depois os benefícios. Não se discute vínculo de emprego, mas forma de proteção de trabalhadores em condição de vulnerabilidade pelo tipo de atividade que eles executam. O acordo celebrado estende para trabalhadores cadastrados a possibilidade de justificar a ausência mediante atestado médico em caso de contaminação pela Covid-19, com suporte financeiro durante 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias, pagos de acordo com a média de ganhos diários.

E ainda mais: o entregador que se encontra no âmbito da proteção do acordo deve preencher condições de entregas mínimas proporcionais ao tempo de cadastro.

Destaque-se também a responsabilidade compartilhada entre a Rappi e os entregadores. A plataforma deverá esclarecer sobre os meios de contágio e prevenção, com orientação de cuidados em caso de suspeitas de infecção. Os trabalhadores, de seu lado, deverão esclarecer sobre a condição de saúde desde o primeiro acesso.

De forma preventiva, a Rappi deverá disponibilizar mensalmente kits de proteção com máscaras e álcool gel e garantir pontos com insumos para que os entregadores façam higienização de veículos e mochilas.

Não se trata de acordo de natureza trabalhista no sentido estrito, mas de acordo cuja natureza jurídica é assistencial, mais ampla porque se envolve com responsabilidade social perante a sociedade, e não diretamente para aqueles que prestam serviços para a plataforma.

Verdade que de abril a dezembro o tempo da pandemia não esperou o acordo. Todavia, essa negociação poderia representar um grande passo para que a base de proteção do Direito do Trabalho se amplie e deixe de ser exclusivo de quem tem carteira assinada.