Município tem competência para editar lei sobre proteção e integridade do meio ambiente local. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou, nesta terça-feira (23/11), recurso da empresa Dow Agrosciences Industrial contra lei do município de Saudades (SC) que impôs restrições ao uso de herbicida.

O julgamento, que se iniciou em 2017, foi concluído com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes pela competência do município para legislar sobre assunto local ambiental, na linha do voto do relator, ministro aposentado Celso de Mello. Gilmar será o redator do acórdão.

A companhia interpôs agravo regimental contra decisão de Celso de Mello, tomada no Recurso Extraordinário com Agravo 748.206, que manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A corte estadual considerou não haver qualquer vício ou inconstitucionalidade na Lei municipal 1.382/2000, que implementa restrições ao uso de um herbicida à base de 2.4-D, visando proteger determinadas culturas desenvolvidas na cidade e prevenir danos ambientais futuros.

Segundo o TJ-SC, há interesse local na medida, e o artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal estabelece que o município tem competência para legislar sobre matérias de interesse local, além de poder suplementar normas federais e estaduais.

Voto do relator
Ao apresentar seu voto para negar o agravo, mantendo sua decisão monocrática, Celso de Mello lembrou os óbices de natureza processual que apontou para rejeitar o trâmite do recurso extraordinário no STF, entre eles a impossibilidade de reexame de fatos e provas e a ocorrência de ofensa reflexa ou indireta à Constituição Federal. Mas observou que, caso se pudessem superar essas questões processuais, ainda assim seria legítima a edição da lei municipal.

“O exercício da competência do município está fundado na defesa e na proteção da saúde e na tutela da integridade do meio ambiente local”, afirmou. Segundo o ministro, a competência se legitima desde que o município legisle para tutelar e regular assuntos de interesse estritamente local, nos limites do artigo 30, inciso I, da Constituição Federal.

O relator também destacou que incide no caso o postulado da precaução, que visa evitar, neutralizar ou minimizar riscos em potencial à qualidade de vida e ao meio ambiente, e observou que a lei municipal reconheceu, com apoio em pareceres técnicos, a potencial nocividade do uso do agrotóxico. Esses motivos, segundo Celso de Mello, têm levado o Supremo a reconhecer o direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de cada um dos entes políticos da federação.

Por fim, o magistrado assinalou que, na área da proteção ambiental, os interesses corporativos dos organismos empresariais devem estar, necessariamente, subordinados aos valores que conferem precedência à preservação da integridade do meio ambiente, conforme o artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal, e ressaltou que o Supremo já se manifestou no sentido de que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais, nem ficar dependente de motivações meramente econômicas.