Ao tentar consertar um erro em um recurso após uma derrota judicial, o Ministério Público de São Paulo cometeu outro deslize. O órgão havia apresentado dois recursos ao Tribunal de Justiça estadual. Um parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, no entanto, opinou pelo não conhecimento de ambas as petições.

Toda a argumentação da peça — assinada pelo procurador Leandro Pereira Leite — é construída no sentido de validar o primeiro recurso e não admitir o segundo. Porém, o documento é finalizado com a frase: “Ante o exposto, opino pelo não conhecimento do primeiro recurso do Ministério Público e pelo não conhecimento do segundo recurso do Parquet, nos termos do parecer supra”.

O caso
O MP-SP havia movido ação por improbidade administrativa contra o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), três de seus funcionários e uma empresa de produtos hospitalares. A acusação era de superfaturamento em um contrato emergencial de compra de mistura medicinal, firmado entre o hospital e a empresa em 2020.

Em novembro do último ano, a 3ª Vara de Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo absolveu os réus e condenou o MP a pagar R$ 10 mil por cada um deles, como ressarcimento dos honorários sucumbenciais, devido à má-fé processual.

O juiz Luis Manuel Fonseca observou que houve uma explosão dos preços dos insumos hospitalares no início da crise de Covid-19. Segundo ele, a petição inicial ignorava o impacto da crise no preço do produto. Também indicou que o hospital tentou negociar para adquirir o insumo em preço mais baixo, e que o Tribunal de Contas estadual reconheceu a legitimidade do negócio.

Pouco mais de dez dias depois, o MP-SP recorreu da sentença. Porém, a apelação se referiu apenas à condenação por má-fé, e não à absolvição dos réus. Após cinco dias, houve nova tentativa de petição, desta vez com os argumentos para tentar a condenação dos acusados — apesar do princípio da preclusão consumativa, segundo o qual um ato processual não pode ser oferecido novamente.

Parecer da PGJ
Devido à contrariedade dos apelos, os autos foram remetidos à chefia do MP-SP, para emissão de parecer. O procurador responsável confirmou a preclusão consumativa e a violação ao princípio da unicidade recursal: “O segundo recurso deve ser inadmitido”, pontuou.

Leite ainda defendeu o mérito do primeiro recurso. De acordo com ele, não houve “conduta ilegal ou perseguição de finalidade ilícita”, por parte do MP, que justificasse a condenação por má-fé.

O procurador lembrou que a missão do MP é “zelar pela responsabilidade por danos causados ao patrimônio público”. Para ele, “a improcedência do pedido não pode ser confundida com abuso processual do autor, pois isso inviabilizaria o acesso à jurisdição e, especificamente, a defesa da sociedade pelo Parquet, quando apurados indícios de fraudes”.

Mesmo assim, ao final do documento, a conclusão é contraditória, opinando pelo não conhecimento de ambos os recursos. A 12ª Câmara de Direito Público do TJ-SP ainda não decidiu sobre o caso.