Por Pedro Burdman da Fontoura

As sociedades seguradoras são obrigadas a constituir reservas técnicas, fundos especiais e provisões técnicas, com o objetivo de garantir todas as suas operações. Com isso, viabilizam a obrigação de garantia assumida perante o segurado, oferecendo cobertura para a indenização do dano sofrido na hipótese de ocorrência de sinistro. Na forma do artigo 84 do Decreto-Lei 73/66:

“Para garantia de tôdas as suas obrigações, as Sociedades Seguradoras constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo CNSP, além das reservas e fundos determinados em leis especiais”.

A constituição das reservas técnicas é realizada por meio da destinação de bens, denominados bens garantidores ou ativos garantidores, que devem ser registrados na Susep e não podem ser alienados ou gravados sem a prévia e expressa autorização da autarquia. Tratam-se, portanto, de investimentos compulsórios [1].

Em síntese, pode-se afirmar que “as provisões técnicas são as maiores obrigações de uma companhia de seguros: as quais representam prêmios ainda não ganhos (receita de exercícios futuros) e perdas ainda não indenizadas” [2]. Isso significa que, quando as seguradoras recebem o montante do prêmio, parte daqueles ingressos não consiste, ainda, em receita definitiva. De um lado, parte dos valores recebidos como prêmio corresponde a períodos futuros, na hipótese de a cobertura se estender para além do exercício, e de outro, parte dos valores recebidos deve ser reservada para pagamento de indenizações [3].

No Brasil, portanto, o instrumento destinado a conferir aos segurados a garantia de solvabilidade das seguradoras é a reserva técnica. Em atenção a limites e critérios fixados pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), cada companhia seguradora é obrigada a manter parcela de seu patrimônio imobilizado [4].

É nesse sentido que J.J. Calmon de Passos sustenta que “(…) a exigência legal de serem constituídas reservas técnicas (…) têm caráter de patrimônio coletivo, público não estatal, configuram o que poderemos chamar de uma universalidade de interesses que se transindividualizam por força de sua destinação (…)” [5].

Pois bem. Compreendida a natureza jurídica das reservas técnicas, a questão que se coloca neste breve texto e que deverá ser examinada em breve pelo STF (leading case RE 609.096; tema 372) [6] é se incide PIS e Cofins sobre as receitas financeiras auferidas pelas sociedades seguradoras oriundas das aplicações financeiras compulsórias dos ativos vinculados às reservas técnicas. A dúvida é se esses valores podem se qualificar como faturamento ou receita bruta, tal como definidos pelos artigos 2º e 3º da Lei 9.718/98, à luz da legislação vigente [7].

Para responder essa pergunta, é necessário definir o que é receita no âmbito do Direito Tributário, quando utilizada para averiguar a incidência de PIS e Cofins, ou seja, de modo não atrelado à legislação comercial ou do imposto de renda. A doutrina é uníssona em determinar que, para ser receita, é requisito essencial que o ingresso seja definitivo, bem como oriundo das atividades da empresa. Por todos, veja-se a doutrina de Paulo de Barros Carvalho:

“Para a efetiva existência de receita, o ingresso de dinheiro deve integrar o patrimônio de quem a auferiu, havendo alteração de riqueza. Receita é a entrada que, integrando-se ao patrimônio sem quaisquer reservas ou condições, vem acrescer seu vulto, como elemento novo positivo. (…) Por outro lado, ingressos financeiros que não constituam fatos modificativos no patrimônio, (…) não se apresentam como receita, sendo mera entrada” [8].

Importante assentar, portanto, que receita configura-se como: (1) efetiva manifestação de riqueza, consistente em ingresso definitivo, positivo e real no patrimônio, (2) decorrente do exercício da atividade empresarial.

Como visto, para terem condições de cumprir suas obrigações, as seguradoras precisam fazer complexos cálculos atuariais e guardar os recursos necessários para o pagamento das indenizações calculadas até o final dos contratos de seguro. São as mencionadas reservas técnicas. Essas reservas precisam ser constituídas não somente pela natureza da atividade, mas também por obrigação legal e regulatória [9].

Há, portanto, uma obrigação das seguradoras em manter parcela de seu patrimônio imobilizado, como garantia de solvabilidade, evidenciando que terão recursos para arcar com as eventuais indenizações que tiverem que pagar. Mais uma vez, fica evidente o interesse da coletividade na constituição dessas reservas, e não das seguradoras. Por óbvio, para garantir que os recursos sejam suficientes, uma parcela dessas reservas deve ser aplicada no mercado financeiro, com investimentos de baixo risco, sendo incrementadas pelos rendimentos e garantindo que serão suficientes para arcar com suas obrigações [10].

E nem poderia ser diferente. O investimento dos valores referentes às reservas técnicas é verdadeiro poder/dever das seguradoras, de modo a garantir o cumprimento de suas obrigações da forma mais segura e eficiente possível. Os rendimentos fazem parte do todo, com os quais contam as seguradoras e, em última instância, os segurados.

As receitas da atividade, do objeto principal das seguradoras, são apenas os prêmios cobrados para a contratação do seguro. É essa a receita recebida dos segurados como contrapartida à obrigação assumida pela seguradora, constante de seu objeto social. As receitas financeiras, por seu turno, apesar de essenciais ao bom funcionamento de todo o sistema, são indiretas. A única receita que decorre diretamente da atividade securitária são os prêmios de seguro [11].

Não se pode confundir as receitas financeiras com as receitas operacionais, visto que absolutamente distintas. As primeiras são adicionais, indiretas, apesar de essenciais para a saúde do sistema. Não decorrem da atividade securitária. São fruto dos investimentos realizados no mercado financeiro, em nada relacionadas com a exploração da atividade securitária.

Com precisão lapidar, pontua Julia de Menezes Nogueira:

“As receitas financeiras deverão ser incluídas no lucro operacional para fins de incidência do IRPJ e da CSLL. Contudo, não podem compor a base de cálculo do PIS e da COFINS, pois esta, de acordo com a redação do caput do art. 3º da Lei nº 9.718/1998, corresponde exclusivamente ao faturamento, entendido como a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/1977, ou seja (i) o produto da venda de bens nas operações de conta própria; (ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido em operações de conta alheia; e (iv) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos de I a III” [12].

Diante do exposto, conclui-se que, (1) por não estarem inseridas no conceito de faturamento ou receita bruta, assim entendida a venda de mercadorias e a prestação de serviços, fato esse associado ao caráter compulsório da aplicação financeira das reservas técnicas; e (2) por não se tratar de atividade empresarial das sociedades seguradoras, mas somente meio de garantir sua solvabilidade e o bom funcionamento de todo o sistema, sobre as receitas financeiras decorrentes da aplicação compulsória da reserva técnica não incidem o PIS e a Cofins. É esse entendimento que, espera-se, será adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

* Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.

[1] Conforme, Tributação das seguradoras: questões pontuais / Alexandre Herlin … [et al.]; Cristiano Campelo de Rougemont Rangel, Daniel Dix Carneiro, Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: MP Ed., 2014, p. 114.

[2] SOUZA, Silney de. Seguros: contabilidade, atuária e auditoria. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 83.

[3] NOGUEIRA, Julia de Menezes. Tributação do mercado de seguros, resseguros e previdência complementar. São Paulo: Noeses, 2016. p. 138.

[4] BURANELLO, Renato Macedo. Do contrato de seguro – O seguro garantia de obrigações contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

[5] PASSOS, J. J. Calmon de. O risco na sociedade moderna e seus reflexos na teoria da responsabilidade civil e na natureza jurídica do contrato de seguro. Revista Diálogo Jurídico, v. I, nº 5, p. 1-7. Salvador: Centro de Atualização Jurídica (CAJ), ago. 2001.

[6] A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, deferiu pedido de tutela provisória de quatro seguradoras e suspendeu a cobrança de cerca de R$ 73,6 milhões de PIS e Cofins incidentes sobre as receitas financeiras das reservas técnicas das empresas. A ministra concedeu efeito suspensivo a um recurso extraordinário interposto pelas empresas, que não terão de pagar as contribuições até que o recurso seja julgado pelo Supremo.

[7] Em julgado recente (acórdão 16682.722324/2017-67), 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que as receitas financeiras das aplicações a que estão obrigadas as resseguradoras não constituem faturamento para fins de incidência do PIS e da Cofins. Ficou consignado que tais receitas financeiras “não podem ser reputadas derivadas do objeto social ou das atividades típicas das resseguradoras e seguradoras”, visto que os investimentos são obrigatórios.

[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e método. São Paulo, Editora Noeses, p. 811.

[9] NOGUEIRA, Julia de Menezes. Tributação do mercado de seguros, resseguros e previdência complementar. São Paulo: Noeses, 2016, p. 159.

[10] Ibid. p. 159.

[11] Ibid. p. 160.

[12] Ibid. p. 161.