A Fundação Renova, entidade criada pelas mineradoras responsáveis pelo desastre de Mariana (MG), não pode ter nem terá a palavra final sobre a interpretação dos critérios de elegibilidade fáticos e jurídicos para o recebimento de indenização pelas vítimas.

A afirmação foi dada pelo juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais, em sentença em que assume a competência para atuar como instância recursal das decisões administrativas da Fundação Renova.

Em seguidas decisões judiciais, o magistrado vem impondo à entidade o pagamento de indenização em massa por matriz de danos, em que as vítimas são enquadradas em grupos específicos de atingidos, que recebem montantes pré-determinados. A adesão é facultativa. Mais de 5 mil delas já foram contempladas.

Para tanto, as pessoas que já se cadastraram como vítimas no sistema da Fundação Renova acessam uma plataforma virtual e apresentam documentação de forma simplificada. A entidade então avalia a validade dos documentos e pode deferir ou não o pagamento.

Assim, quando a Fundação Renova entender que não ficou comprovado que a pessoa é vítima do desastre de Mariana, o juízo federal é quem vai dizer se a indenização é devida ou não. A sentença determina que a entidade crie uma área em seu próprio sistema para que se possa recorrer.

A medida garante revisão técnica, jurídica e independente, segundo o magistrado. “É evidente, nessa linha de raciocínio, que a Fundação Renova não pode ter (e não terá) a palavra final sobre a interpretação dos critérios de elegibilidade (fáticos e jurídicos) estabelecidos na sentença”, afirmou o juiz Mário de Paula Franco Júnior.

Mais grupos de vítimas
A ordem foi dada na sentença mais abrangente da 12ª Vara Federal de Minas Gerais sobre o desastre de Mariana. Até então, já foram sentenciadas outras 13 ações, que garantiram indenização a atingidos em cidades ao longo do rio Doce, nos estados de MG e também do Espírito Santo.

Para o advogado Leonardo Rezende, que representa a Comissão de Atingidos do município de Rio Doce, o magistrado aprimorou o novo sistema de indenização simplificada implantado e já referendado por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e por decisão internacional, embora ainda contestado.

Nesta decisão, o juízo federal aumentou o rol de categorias passíveis de indenização. Incluiu entre elas a dos areeiros, carroceiros, extratores de minérios e, especialmente, a dos faiscadores — garimpeiros artesanais e, não raro, informais.

A Fundação Renova não os reconhece como grupo de vítimas porque a atividade de garimpo depende de outorga de licenças. Assim, indenizá-los significaria a financiar e promover o estímulo ao desenvolvimento de atividade ilícita e sem controle ambiental.

A alegação foi afastada pelo magistrado porque se tratam de faiscadores que exerciam a atividade de modo rudimentar, artesanal e secular e porque o exercício dessa atividade tradicional se dava, inclusive, com a chancela do poder público.

A decisão buscou “reconhecer o direito à indenização pelos faiscadores — compatibilizar a eficácia da norma ambiental vigente com a realidade (imposta) socioeconômica e socioambiental das populações tradicionais brasileiras”, destaca o juiz.

Junto com os faiscadores, foram incluídos os integrantes da chamada cadeia do ouro: comerciantes e revendedores formas e informais.

Também passaram a ser contemplados pequenos empresários e trabalhadores informais do turismo. Seria o caso, por exemplo, de donos de lojas de souvenir, transportadores de van, guias turísticos e os que atuam com passeios náuticos.

Prova mais simples
A simplificação da prova é a razão de ser do sistema de indenização por matriz de dano. Ela permite que os atingidos, por mais humildes e informais que sejam, comprovem a condição de vítima e recebam os valores.

O juízo da 12ª Vara Federal de Minas Gerais ampliou o rol de documentos hábeis a fazer prova de que a vítima estava no território do evento danoso nada data em que a barragem se rompeu.

Passou a admitir, por exemplo, declaração de Imposto de Renda, declaração constante de matrícula escolar e prontuário Médico exclusivo de Clínica/Hospital do SUS, entre outros.

Também é possível fazer prova com relatório do agente comunitário de saúde, controle de pré-natal realizado no SUS, comunicado de órgãos de proteção ao crédito e atas de audiências em processos judiciais.