Concessão de serviço público
O serviço público pode ser prestado diretamente pelo Poder Público ou pela iniciativa privada, por meio de contrato de concessão ou permissão.

Neste prisma, a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição de 1988 (CF/88), no seu artigo 2º, inciso II, prescreve que a concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

Ainda, conforme inciso III, do artigo 2º, da referida lei, há a concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, que consiste a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegados pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado.

Outrossim, cabe aqui registrar, a exigência constitucional de prévia licitação nos regimes de concessão ou permissão, in verbis:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado. (grifei)

Nessa toada, vê-se que se trata de um contrato complexo, pois a concessão, além de não poder ser delegada para pessoas físicas, deve seguir os trâmites das modalidades nominadas concorrência ou diálogo competitivo.

Intervenção nos contratos de concessão e o exercício do contraditório: embasamento legal
Em observância ao artigo 175 da CF/88 e Lei nº 8.987/95, o Poder Público poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.

Assim, este controle e fiscalização é um poder-dever do concedente e busca concretizar os princípios de continuidade e adequação do serviço público, assim como a observância do regime jurídico legal e contratual correlatos. É o que trata o artigo 32 da lei:

Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.
Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida.

Logo, ao delegar a prestação de alguns serviços públicos, resguarda para si, na qualidade de poder concedente, a prerrogativa de regulamentar, controlar e fiscalizar a atuação do delegatário.

Na mesma esteira, o artigo 33 da Lei nº 8.987/95, dispõe:

Art. 33. Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.
§ 1o Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização.
§ 2o O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção.
(grifei)

Portanto, deduz-se, da leitura dos dispositivos, que, em ocorrendo a intervenção, o direito de defesa do concessionário é postergado, só sendo realizado com a instauração do procedimento administrativo para apuração das irregularidades.

Decisão do STJ no RMS 66.794-AM
O transporte coletivo intramunicipal é de competência do município que pode exercer diretamente ou transferir para a iniciativa privada. É o que dispõe o artigo 30, V, da CF/88:

Art. 30. Compete aos Municípios:
[…]
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Inclusive, com base nos artigos  30, inciso V e 175 da CF/88, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede repercussão geral cravou a seguinte tese:

Salvo situações excepcionais, devidamente comprovadas, o implemento de transporte público coletivo pressupõe prévia licitação. STF. Plenário. RE 1001104, Rel. Marco Aurélio, julgado em 15/05/2020 (Repercussão Geral – Tema 854).

No que concerne ao contrato de concessão dessa natureza e sua materialização/execução, a 2ª Turma do Tribunal da Cidadania no acórdão proferido em Recurso ordinário em Mandado de Segurança 66.794-AM, sob relatoria do Ministro Francisco Falcão decidiu:

EMENTA
ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO.
I – Na origem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas impetrou mandado de segurança visando à decretação da nulidade da intervenção no sistema de transporte coletivo urbano do Município de Manaus-AM.
II – O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas denegou a ordem entendendo dispensável estabelecer contraditório prévio à decretação da intervenção, afastando a alegação de confisco e decidiu que seria necessária a produção de prova pericial.
III – Conforme se extrai do regime jurídico do art. 175 da Constituição e da Lei de Concessões – Lei n. 8.987/1995, o Estado delega a prestação de alguns serviços públicos, resguardando a si, na qualidade de poder concedente, a prerrogativa de regulamentar, controlar e fiscalizar a atuação do delegatário. A intervenção no contrato de concessão visa assegurar a adequação na prestação do serviço público, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes (art. 32 da Lei n.8.987/1995).
IV – De um lado, o poder concedente deve “instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa” (art. 33 da Lei n. 8.987/1995). De outro, não se pode desconsiderar que eventuais ilegalidades no curso do procedimento dependem de comprovação de prejuízo.
V – Em se tratando de intervenção, o direito de defesa do concessionário só é propiciado após a decretação da intervenção, a partir do momento em que for instaurado o procedimento administrativo para apuração das irregularidades. Isso porque a intervenção possui finalidades investigatória e fiscalizatória, e não punitivas.
VI – No caso, não cabe a concessão da segurança, dado que a impetração exigiria atividade instrutória mediante produção de provas, inclusive periciais, a fim de esclarecer eventual reequilíbrio econômico-financeiro no contrato, bem como as alegadas nulidades no curso da intervenção no contrato de concessão firmado entre as concessionárias de transporte coletivo e o Município de Manaus. Não foi demonstrado o alegado direito líquido e certo, bem como não houve comprovação, de plano, da violação ao direito por ato ilegal ou abusivo atribuído às autoridades públicas.
VII – Recurso ordinário desprovido.
STJ. 2ª Turma. RMS 66.794-AM, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22/02/2022 (Info 727).

O caso concreto tratava de situação em que o município celebrou contrato de concessão com uma empresa privada por meio da qual transferiu a execução do serviço público de transporte intramunicipal de passageiros.

Após alguns anos, verificaram-se irregularidades graves na execução do contrato, o que prejudicava a adequabilidade da prestação do serviço.

Posteriormente, o município decretou a intervenção neste contrato de concessão. Então, foi impetrado mandado de segurança sob alegação de que o Município não garantiu à concessionária o contraditório e a ampla defesa, com a instauração de processo administrativo prévio

Extrai-se do acórdão que a intervenção possui finalidades investigatória e fiscalizatória, e não punitiva. Logo, a lei nº 8.987/95 não exige que se estabeleça contraditório prévio à decretação da intervenção, sendo esse contraditório realizado após o ato.

O regime jurídico de controle, do qual decorre, dentre outros, o ato de intervenção, segundo Carvalho Filho (2013) caracteriza-se como “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder”.

Neste diapasão, ao realizar o cotejo entre a ordem legal/constitucional, entendimento do STJ em sede repercussão geral e doutrinário, vê-se que esse regime jurídico de controle é um mecanismo legítimo de concretude dos princípios que regem a prestação de serviços públicos, quais sejam: os princípios da continuidade, da generalidade, da atualidade, da modicidade das tarifas e da cortesia, todos, embasados na Lei nº 8987/95.

Conclusão
Regular o serviço público consiste na adequação normativa com o escopo de sua concretização e  afastamento de óbices que possam frustrar a execução do serviço público.

Outrossim, o regime jurídico de controle é um mecanismo legítimo para fins de alinhamento de sua atuação com os princípios que regem a prestação de serviços públicos, tais como: os princípios da continuidade, da generalidade, da atualidade, da modicidade das tarifas e da cortesia, todos, embasados na lei nº 8.987/95.

Nesse diapasão, a competência constitucional para a instituição do serviço inclui o poder de regulamentação, assim como de controlar sua execução. Portanto, a intervenção é um procedimento legítimo para apuração de irregularidades de ordens investigatória e fiscalizatória, o que, por não ter finalidade lucrativa justifica a postergação do contraditório.

Referências bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26º ed. São Paulo: Atlas, 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. RMS 66.794-AM, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22/02/2022 (Info 727). Disponível aqui. Acesso em 21 de maio de 2022.
BRASIL. Lei 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm. Acesso em: 22 de maio de 2022.