Decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo suspenderam perícias em imóveis de devedores em virtude da epidemia da Covid-19. O entendimento é de que, havendo conflito entre a satisfação do crédito no menor tempo possível e a inviolabilidade do direito à vida, deve prevalecer o segundo.

A 19ª Câmara de Direito Privado negou provimento ao recurso de um banco credor, que insistiu na realização da perícia com a adoção de medidas de segurança, tais como distanciamento social, não tocar nos móveis e uso de máscara pelo perito. O devedor em questão é um idoso, com comorbidades e, portanto, integra o grupo de risco da doença, assim como sua esposa.

A relatora, desembargadora Daniela Menegatti Milano, observou que, ao credor, devem ser garantidos todos os meios legítimos para a satisfação de seu crédito. “Conforme dispõe o artigo 797 do Código de Processo Civil, a execução se promove no interesse do credor, assegurando a todos, de seu turno, o artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, disse.

No entanto, conforme a magistrada, o mesmo artigo 5º da Constituição Federal estabelece, em seu caput, ser garantia de todos os residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, sendo essa a preocupação do devedor com o pedido de suspensão da visita técnica durante o período de pandemia.

“E, assim, diante da ponderação entre esses interesses ora em oposição, de um lado a busca pela satisfação de um crédito financeiro no menor tempo possível e de outro a garantia da inviolabilidade do direito à vida, é evidente que este último é mais valoroso, devendo, pois, prevalecer”, afirmou a desembargadora.

Milano disse ainda que, mesmo com os cuidados necessários, pouco se sabe sobre o vírus, não sendo possível afirmar, categoricamente, que a adoção das medidas de segurança seja “real e efetivamente suficiente para preservar a saúde, sobretudo a vida, dos envolvidos”: “O papel do Judiciário não é outro senão o de garantir efetividade aos direitos dos cidadãos, entre eles, evidentemente, o maior de todos, o direito à vida”.

Sem urgência para perícia
Em caso semelhante, a 26ª Câmara de Direito Privado suspendeu uma vistoria no imóvel de um casal de idosos que está em trabalho remoto. “A avaliação do bem penhorado não valida, por si, o risco de perecimento do direito e a urgência, em razão unicamente do inadimplemento contratual”, disse o relator, desembargador Antônio Nascimento.

Para o magistrado, o banco devedor não comprovou a urgência da vistoria técnica. “Neste momento de pandemia do coronavírus, hão de ser preservadas a saúde e a integridade física das pessoas, em detrimento do caráter patrimonial do contrato. Ainda mais no caso dos agravantes, que em razão da idade avançada, são considerados inseridos nos grupos de risco pelos órgãos competentes”, completou.