Por Otavio Torres Calvet

Passados três anos da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), ainda há vários pontos para explorar, detalhes que alteraram a jurisprudência e que, estranhamente, não impactaram a prática cotidiana, como se existisse um “costume de entendimento” a não permitir a reflexão sobre importantes alterações legislativas. Na coluna desta terça-feira (19/) trataremos da primeira delas, a alteração do conceito de grupo econômico e seus reflexos na execução trabalhista.

Até a reforma, o conceito de grupo econômico no meio urbano gerava duas principais dúvidas: se seria necessário existir direção hierárquica entre as empresas para configuração do grupo e a natureza da solidariedade (se apenas passiva ou se, além de passiva, também ativa, configurando o empregador único).

A dúvida advinha, principalmente, da redação original do artigo 2º, §2º, da CLT, que falava da responsabilidade da empresa principal e cada uma das subordinadas, indicando a direção hierárquica, e que tal responsabilidade seria “para os efeitos da relação de emprego”, o que em tese poderia admitir reflexos tanto no polo ativo quanto passivo da relação.

A partir da redação legal, a doutrina explorava o conceito para, em linhas gerais, defender a figura do empregador único, uma ficção pela qual todas as empresas seriam empregadoras ao mesmo tempo, ainda que o empregado laborasse apenas para uma das empresas do grupo e, por outro lado, para expandir a responsabilidade quando as empresas não mantivessem vínculo hierárquico, mas de mera coordenação.

Os principais argumentos para o reconhecimento do empregador único eram a exposição de motivos da CLT em seu item 53, que indicaria a vontade do legislador neste sentido, a interpretação literal que apontava a responsabilidade para os efeitos da relação de emprego, a Súmula 129 do TST, que reconhece um único vínculo quando o empregado labora para mais de uma empresa do mesmo grupo na mesma jornada e o cancelamento da Súmula 205 do TST, que exigia a inclusão de todas as empresas no polo passivo para que fosse possível a execução superveniente.

Quanto à direção hierárquica, o principal argumento para afastar tal exigência seria a moderna configuração de grupo por vínculos de mera coordenação, sob a inspiração da interpretação do grupo econômico no meio rural, em que o legislador expressamente sempre autorizou a formação do grupo sem o controle entre as empresas (Lei 5889/73, artigo 3º, §2º).

Tais argumentos poderiam ser válidos até a reforma trabalhista, mas não se sustentam depois dela, já que a nova redação legal impede a configuração do empregador único de um lado e, do outro, superou a discussão da direção hierárquica, ao admitir o vínculo de mera coordenação. E essa mudança se deu de forma simples, adotando-se a mesma redação do grupo econômico rural, muito mais clara e precisa.

Agora, portanto, para se formar o grupo econômico trabalhista as empresas precisam estar apenas em vínculo de coordenação, não bastando terem sócio em comum, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes” (artigo 3º, §3º, da CLT).

E a responsabilidade advinda da formação do grupo? Como dito, não mais parece possível a defesa do empregador único, já que a legislação atual indica que as empresas “serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”, o que não precisa de muito esforço interpretativo para se concluir que a vontade da lei é de impor a todas as empresas do grupo o cumprimento do passivo trabalhista, o que inclusive indica a melhor interpretação segundo o princípio da proteção.

O claro objetivo da norma é reequilibrar uma relação que, em regra, por si só já é desequilibrada. Um empregado perante uma empresa está normalmente em posição fragilizada. Um empregado perante um grupo empresarial, portanto, necessita de uma proteção adicional, que foi justamente impor a todas as empresas do grupo, mesmo as que não receberam sua energia de trabalho, a responsabilidade pelo passivo trabalhista, pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

Logo, não se pode reconhecer automaticamente que todas as empresas do grupo econômico sejam também empregadoras daquele trabalhador, pois assim estar-se-ia atribuindo um poder a quem já é mais forte na relação jurídica, um contrassenso com o princípio protetivo e seu correlato princípio in dubio pro misero, que na dúvida interpretativa requer sempre a escolha da melhor interpretação para o hipossuficiente.

Aliás, sempre critiquei a figura do empregador único, porque não explicava um fenômeno também aceito pela jurisprudência, a terceirização dentro do grupo econômico como fixado pelo TST na Súmula 239, segunda parte, sendo óbvio que se todas as empresas do grupo fossem empregadoras ao mesmo tempo, uma não poderia fazer terceirização para outra: como terceirizar de mim para mim mesmo?

Por outro lado, a Súmula 129 do TST, que fala em um único vínculo quando o empregado labora para mais de uma empresa do grupo na mesma jornada, pode ser explicada facilmente, pois a rigor ela nunca consagrou o empregador único, apenas tratou de uma situação fática atípica que, atualmente, pode ser identificada com a figura do consórcio de empregadores, onde duas ou mais empresas, sejam ou não do mesmo grupo, pactuam a contratação de um mesmo empregado. O consórcio já está positivado no meio rural (artigo 25-A da Lei 8212/91) e o TST possui jurisprudência adotando por analogia ao meio urbano.

E onde isso tudo nos leva? Ao reconhecimento de que não mais é possível a argumentação no sentido de que a condenação de uma das empresas significa a condenação de todas automaticamente, a ponto de se poder incluir qualquer uma delas no polo passivo diretamente na execução, mesmo que não tenha ela participado da fase de conhecimento.

Se cada empresa guarda sua autonomia, se a figura do grupo econômico não pressupõe fraude, se a lei apenas reconhece que a responsabilidade solidária é passiva, cabe ao credor indicar quais empresas pretende ver responsabilizadas na fase de conhecimento, para que todos os possíveis devedores possam exercer o contraditório constitucionalmente assegurado, com todos os meios a ele inerentes, produzindo provas, alegando questões, enfim, exercendo na plenitude a ampla defesa assegurada pela Constituição.

Na sistemática atual, ainda usada pelo “costume do entendimento”, basta ao exequente indicar uma empresa estranha à relação processual para obter sua inclusão no polo passivo como integrante do grupo econômico, somente tendo possibilidade de arguir qualquer matéria de defesa em embargos à execução, o que na área trabalhista pressupõe o requisito da garantia do juízo, salvo se o juiz aceitar o uso da exceção de pré-executividade, o que literalmente fica a critério de cada magistrado, pois tal figura não se encontra positivada em nosso ordenamento jurídico.

Em conclusão, como a figura do empregador único não mais pode ser invocada, ficou insuperável o exercício do contraditório por todas as empresas que se pretende executar, cada uma com seu direito constitucional à ampla defesa assegurado. Em outras palavras, precisamos ressuscitar a Súmula 205 do TST: “O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução”.