Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

Desde o dia 1º de janeiro deste ano, a síndrome de Burnout é considerada uma doença ocupacional, conforme a nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Dito isso, impende destacar que com a pandemia houve um preocupante aumento do número de trabalhadores diagnosticados com a síndrome do esgotamento profissional, como também é conhecida.

Uma investigação realizada pela LHH do Grupo Adecco concluiu que 38% das pessoas entrevistas afirmaram terem sido afetadas pela doença ao longo do ano de 2021 [1], enquanto para 32% houve uma piora considerável da saúde mental [2].

De acordo com as informações do Ministério Público do Trabalho, entre os anos de 2019 e 2020 o Brasil relacionou um crescimento de 30% nos pedidos de auxílio-doença por trabalhadores com transtornos psicológicos [3].

Lado outro, uma pesquisa feita pela Capterra identificou que sete de cada dez trabalhadores experimentaram algum sintoma da moléstia após o deslocamento para o trabalho remoto [4].

Aliás, os dados da Internacional Stress Management Association (Isma-BR) apontaram que, antes mesmo da pandemia causada pela Covid-19, cerca de 30% das pessoas economicamente ativas no Brasil conviviam com a doença [5].

Diante de tais cenários, é certo que o trabalhador, em muitos casos, tem dificuldades em se desconectar do trabalho, principalmente no atual regime de home office. Um levantamento realizado pela Oracle apontou que 87% dos brasileiros sinalizaram enfrentar esse problema com o trabalho remoto [6].

De outro norte, segundo um estudo da Pnad difundido pelo Ipea, desde o início da pandemia foi constatado que 8,2 milhões de pessoas passaram a laborar em suas residências. Ainda, para o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, os casos de ansiedade e depressão aumentaram [7].

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal assegura em seu artigo 6º [8] os direitos sociais, entre eles a saúde. Já o artigo 7º, XXII, da CRGFB preceitua que o trabalhador tem direito a um ambiente de trabalho saudável, com a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Noutro giro, do ponto de vista internacional, a Convenção 161 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) dispõe sobre saúde e segurança dos trabalhadores [9].

Claro está, portanto, que há regramentos nacional e internacional que devem ser usados para tutelar este crescimento desafio pautado na preservação da saúde mental dos trabalhadores que, no atual cenário provocado pela pandemia, majorou significativamente os desafios enfrentados no trabalho a distância, de modo que essa higidez física e mental dos trabalhadores é agora uma das grandes preocupações em âmbito global.

Nesse sentido, oportunas são as palavras de Renan Fernandes Duarte a respeito da presente temática [10]:

“Considerando os princípios aplicáveis ao direito ambiental do trabalho, principalmente em se tratando dos princípios da prevenção e da precaução, é esperado que o empregador adote todas as medidas possíveis para evitar o adoecimento do seu empregado. Não apenas por questões morais, tal dever configura até mesmo uma proteção ao patrão, o qual em alguns casos precisará apontar as medidas de proteção ao meio ambiente de trabalho adotadas como forma de se isentar da culpa pelo acidente e de eventual indenização.
(…)
Boa parte de tal lógica deriva do estigma carregado pelos transtornos mentais e comportamentais, como a ansiedade, depressão e até mesmo a Síndrome de Burnout. Por serem doenças ‘invisíveis’, muitas vezes são tratadas como invenção ou algo como sem gravidade, até mesmo pelos próprios trabalhadores e pela sociedade.

Entrementes, antes mesmo de a moléstia ter sido incluída na Classificação Internacional de Doenças, os Tribunais já vinham reconhecendo a Síndrome de Burnout como uma doença ocupacional” [11].

Portanto, é forçoso que as empresas e o Estado tenham um olhar mais atento ao trabalhador que execute as suas atividades em home office, sobretudo para que seja possível identificar, inclusive com antecedência, eventuais transtornos e prestar todo o auxílio necessário.

Frise-se, por oportuno, que o estresse ligado ao trabalho sempre foi uma questão sensível a ser debatida, mas, indiscutivelmente, com a pandemia a temática do home office e as medidas necessárias para a saúde mental dos trabalhadores passou a exigir uma atenção especial.

Se é verdade que o labor em home office conta com a aprovação de grande parte dos trabalhadores, de igual modo existe uma preocupação no que diz respeito à quantidade de trabalho [12].

Além disso, o medo de perder o emprego, as pressões por cumprimento de metas, o acúmulo excessivo de trabalho e a sensação de ser substituído por outra pessoa na hipótese de não cumprir com as tarefas designadas, tudo são fatores agravantes para o surgimento do distúrbio.

Nesse sentido, em Portugal foi publicada no Diário da República a Lei nº 83/2021 [13], de 6 de dezembro de 2021, que modificou o regime do teletrabalho, de forma que em seu artigo 3º aditou o artigo 169º-B ao seu Código do Trabalho. O referido artigo [14] dispõe que o empregador deve se abster de entrar em contato com o trabalhador no período de descanso, ou seja, permite e reconhece o direito a desconexão do trabalhador, sob pena de punição.

Em arremate, é fundamental que haja uma mudança do pensamento de toda a sociedade, para que o trabalhador tenha os seus direitos e garantias fundamentais respeitados, evitando-se, assim, prejuízos a sua saúde mental.

 

[1] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/home-office-e-trabalho-hibrido-desencadearam-casos-de-burnout-entre-jovens-aponta-estudo/. Acesso em 7/2/2022.

[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/sindrome-de-burnout-mais-comum-no-home-office-pode-levar-a-avc-e-infarto/. Acesso em 7/2/2022.

[3] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/burnout-ou-cansaco-a-diferenca-entre-os-dois-e-a-saude-no-trabalho-em-debate/. Acesso em 7/2/2022.

[4] Disponível em https://www.contabeis.com.br/artigos/6698/70-dos-trabalhadores-de-pmes-em-home-office-relataram-algum-sintoma-de-burnout/. Acesso em 7/2/2022.

[5] Disponível em https://analise.com/dna/artigos/6744. Acesso em 7/2/2022.

[6] Disponível em https://www.consumidormoderno.com.br/2020/10/21/42-dos-brasileiros-em-home-office-trabalham-mais-de-40-horas-por-mes/. Acesso em 7/2/2022.

[7] Disponível em https://vejario.abril.com.br/coluna/gilberto-ururahy/cansaco-home-office-explosao-burnout/. Acesso em 7/2/2022.

[8] “Artigo 6º — São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

[9] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236240/lang–pt/index.htm. Acesso em 8/2/2022.

[10] Meio ambiente do trabalho em tempos de pandemia — Organizadores Guilherme Guimarães Feliciano, Raimundo Simão de Melo. — Campinas, SP: Lacier Editora, 2021. Página 309/310.

[11] DOENÇA OCUPACIONAL — SÍNDROME DE BURNOUT — INDENIZAÇÃO. Diagnosticada no curso do contrato de trabalho a Síndrome de Burnout (síndrome do “esgotamento profissional”) que levou ao afastamento previdenciário do autor, no curso do aviso prévio, por um ano e quatro meses, por doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho, é devida a reintegração ao emprego e ainda a indenização de cunho moral, nos termos dos arts. 118 da Lei nº 8.213/91, segunda parte do item II da Súmula 378 do TST e artigos 186 e 927 do CCB e art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal. (TRT-3 — RO: 00110126220175030048 MG 0011012-62.2017.5.03.0048, relator: des. Antonio Gomes de Vasconcelos, data de julgamento: 4/3/2021, 11ª Turma, data de publicação: 5/3/2021.)

[12] Disponível em https://noticias.r7.com/economia/maioria-aprova-home-office-mas-se-preocupa-com-excesso-de-trabalho-05092021. Acesso em 8/2/2022.

[13] Disponível em https://files.dre.pt/1s/2021/12/23500/0000200009.pdf. Acesso em 8/2/2022.

[14] “1 – Sem prejuízo dos deveres gerais consagrados neste Código, o regime de teletrabalho implica, para o empregador, os seguintes deveres especiais: (…). b) Abster-se de contactar o trabalhador no período de descanso nos termos a que se refere o artigo 199º-A”.