Um acordo trabalhista fraudulento, feito com o intuito de prejudicar terceiro ou burlar a lei, deve ser anulado, mesmo em caso de decisão transitada em julgado. Esse entendimento foi adotado pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho ao decretar a nulidade de um acordo firmado entre um empregado e uma empresa de instalação de pisos de São Paulo.

De acordo com o colegiado, o acordo entre o trabalhador e a Felgueiras Colocações de Tacos e Assemelhados em Geral Ltda. foi feito com a finalidade de prejudicar credores de dívidas da empresa nos juízos cível e trabalhista.

A soma dos pedidos feitos pelo empregado na reclamação ajuizada em 2006 na 85ª Vara do Trabalho de São Paulo alcançava R$ 365 mil. A empresa, sem apresentar defesa, firmou acordo no valor de R$ 185 mil, com parcelamento mensal de R$ 5 mil e cláusula penal de 100% em caso de descumprimento.

Dois meses depois, o trabalhador informou que a empresa não havia efetuado sequer o pagamento da primeira parcela e requereu a execução do valor do acordo judicial, com a incidência da multa de 100%. Dessa forma, o descumprimento do acordo acarretou, na execução, valor que superou o montante total pedido na ação.

Como não foram encontrados bens para a penhora, a execução foi redirecionada para os sócios, que tiveram seus imóveis penhorados: um terreno e uma casa, avaliados em R$ 700 mil e R$ 900 mil, respectivamente.

Tudo em família
A fraude foi apontada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em uma ação rescisória, na qual o órgão informou que soube do acordo por meio de uma denúncia anônima. Após diligências, o MPT constatou que os sócios da empresa são tios do autor da ação e que a Felgueiras e outras empresas dos mesmos donos são parte em 56 ações trabalhistas e em 48 execuções fiscais, que somam mais de R$ 5,3 milhões.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), porém, julgou improcedente a ação rescisória por entender que não havia prova da fraude ou da intenção de burlar terceiros.

O relator do recurso, ministro Renato de Lacerda Paiva, não concordou com a decisão da corte de segunda instância. Para ele, há fortes indícios de conluio entre as partes na ação originária, “que simularam uma transação judicial com a finalidade de fraudar a lei e, principalmente, prejudicar terceiro (dívidas nos juízos cível e trabalhista)”. Entre outros aspectos, ele listou a petição sucinta, com múltiplos pedidos e valores elevados, a ausência de defesa da empresa, a celebração do acordo pouco depois do ajuizamento, a multa de 100% e o descumprimento já na primeira parcela.

Contribuíram para esse entendimento também a penhora de imóveis de alto valor, a relação de parentesco entre as partes e as inúmeras ações e execuções contra a empresa. “Havendo colusão entre as partes, com o intuito de prejudicar terceiro ou fraudar a lei, deve ser desconstituída a decisão transitada em julgado, pois formada com base em uma atuação simulada das partes, em uma falsa lide”, concluiu o relator. A decisão foi unânime.