Por Luiza Nagib Eluf

Até os dias de hoje, a abordagem que os colonizadores adotaram nos primórdios do que se pode considerar uma “invasão territorial” permanece como forma de lidar com os povos originários. Os indígenas são constantemente ameaçados de morte, as terras em que habitam sofrem interferências ilegais e, não se pode negar, as comunidades estão constantemente em risco e esse risco só tem feito aumentar. A imprensa brasileira não se cansa de divulgar que a violência contra os povos da floresta está crescendo, agravada pela contaminação dos rios, provocada pelos garimpos.

Muitos indígenas enfrentam a morte por decorrência de doenças trazidas pelos invasores de suas áreas, pela falta de demarcação de terras e pelas proibições e cerceamentos que são impostos sobre seus territórios. não se pode negar que a construção de estradas como a Transamazônica, de hidrelétricas, o desmatamento para a pecuária e a derrubada de árvores para a obtenção de madeira resultaram na expulsão de comunidades indígenas de suas terras, sendo que o contato com doenças trouxe muitas mortes. Nesse aspecto, devemos admitir que o governo do Brasil parece ter falhado e é devedor dos povos originários. Já passou da hora de amparar as comunidades indígenas, reconhecendo sua cidadania, sua autonomia e promovendo o bem-estar de todos povos.

Em termos de legislação em vigor sobre os direitos dos indígenas, temos:

– a Constituição Federal de 1988 (Capítulo VIII, artigos 231 e 232) e o Estatuto dos Índios (Lei 6.001, de 1973).

Em tramitação no Congresso Nacional, temos:

– Projeto de Lei 490/2007, que prevê a impossibilidade de povos indígenas obterem o reconhecimento legal de suas terras tradicionais se lá não estavam fisicamente em 5 de outubro 1988 (data da promulgação da CF), ou se não tinham nesta data uma controvérsia possessória de fato ou judicializada. Essa tese é conhecida como “marco temporal“;

– PL 191/2020: regulamenta o § 1º do artigo 176 e o § 3º do artigo 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas;

– PL 571/2022: acrescenta o artigo 82-A ao Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro 1967 “Código de Minas” — para criar condições especiais ao exercício de atividades minerárias em caso de interesse da soberania nacional, assim declarado pelo presidente da República, inclusive em locais habitados por indígenas;

– PEC 215/2000 : inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.

Outro aspecto que é de ser encarado é a pluralidade de culturas indígenas espalhadas pelo país e suas peculiaridades. Existem, hoje, comunidades inteiras que frequentam escolas, falam português (algumas falam inglês…) e devem ser respeitadas em seus direitos à educação, à saúde, à habitação, à propriedade de bens e a comandar suas vidas assim como qualquer outro(a) brasileiro(a) tem. É de se observar, por exemplo, que os indígenas da América do Norte levam uma vida mais segura do que os nativos brasileiros. Apenas para exemplificar, os indígenas americanos podem ser donos de cassino e alguns têm um ótimo nível de vida. Na América do Norte também houve extermínio de populações originárias, mas as autoridades que governaram o país após sua independência foram, paulatinamente, proporcionando aos nativos da terra mais direitos, ao longo do tempo. Dessa forma, em lugar de impedir que os povos originários possam usufruir livremente das riquezas que nos cercam (suas terras, suas tradições, seus recursos financeiros) o Brasil deveria incentivá-los e orientá-los a gerir seus negócios. No sul da Bahia, existem tribos encravadas em praias paradisíacas que não podem exercer livremente o direito de propriedade devido às proibições impostas pela legislação. Seria importante trazer as comunidades indígenas para a convivência harmônica em nossa “Terra Brasilis” e tratá-las como irmãs para que possam todos(as) progredir em harmonia, sempre respeitando e promovendo a preservação ambiental.

Considerando a necessidade legislativa referente às terras indígenas e diante dos diversos e incontestáveis interesses envolvendo essas mesmas terras, seria oportuno criar uma comissão mista (de indígenas e não-indígenas) junto ao Congresso Nacional para discutir, organizar e propor o usufruto das terras, de modo a atender também aos interesses dos povos originários, em busca de consenso e de reconhecimento dos direitos inerentes aos seres humanos existentes no Brasil desde muito antes do descobrimento, a fim de que a Justiça possa prevalecer e a vida plena seja garantida aos povos que, tradicionalmente, habitam o país desde tempos imemoriais.