Por André Rodrigues Pereira da Silva

A realidade dos meios de comunicação evoluiu e se modifica constantemente em razão do fenômeno denominado sociedade da informação [1], de modo que a tecnologia se tornou essencial na determinação de todo o sistema social e econômico do mundo.

Por sua vez, com o surgimento da pandemia gerada pelo novo coronavírus (Covid-19), intensificada no mês de março, todas as pessoas no Brasil e no mundo foram expostas a um cenário de grandes incertezas, especialmente na área econômica. As relações corporativas foram afetadas drasticamente, porquanto não se podia evitar os reflexos econômicos dessa nova realidade.

Dessa forma, uma prática até então canhestra para muitas empresas ganhou força e aceitação nesse momento de crise e, certamente, não será mais objeto de dúvidas ou incertezas jurídicas quando a pandemia passar, estando atualmente consolidada o entendimento pela validade dos contratos e assinaturas eletrônicos.

Embora o ordenamento jurídico brasileiro não disponha de regulamentação específica a respeito da negociação, da estruturação e da celebração de contratos por meios eletrônicos, os tribunais têm conseguido suprir essa lacuna legislativa.

Em decorrência da pandemia, muitas empresas passaram a adotar a prática do uso dos contratos eletrônicos e a utilização das respectivas assinaturas eletrônicas. Mas até então muitas dúvidas e receios existiam sobre esse procedimento.

Considerando que a discussão repousa, principalmente, na autenticidade, confiabilidade e integridade dos documentos eletrônicos, a falta de conhecimento das informações lançadas nesses documentos levava os empresários a evitar esse tipo de procedimento, ou então, dependendo do risco do negócio jurídico a ser pactuado, aceitava-se apenas o uso da assinatura certificada digitalmente, uma vez que esta possui amparo pelo governo federal, através da Infraestrutura de Chaves Pública Brasileira (ICP-Brasil), sendo ainda oficialmente adotada nos processos judiciais eletrônicos de todo o país a partir da Lei nº 11.419/2006.

Pois bem, como ensina Silvio Venosa, a declaração de vontade, ou seja, a manifestação do interesse das partes em contratar, é pressuposto do negócio jurídico, sem o qual este não subsiste ao plano da existência [2].

Por sua vez, a forma de declaração da vontade representa requisito de validade de todo negócio. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio de liberdade de forma, segundo o qual é considerada idônea qualquer atitude das partes que demonstre, de modo inequívoco, a manifestação de vontade, a não ser que exista forma especial prevista em lei para aquela situação em específico [3].

Desse modo, não havendo previsão legal específica acerca da forma de celebração do contrato, as partes podem manifestar sua concordância com os termos do contrato por qualquer meio, conforme é possível inferir dos artigos 104 e 107 do Código Civil:

“Artigo  104. A validade do negócio jurídico requer:
(…)
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Artigo 107 
A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.

Antônio Junqueira de Azevedo, sustenta ainda que o negócio jurídico constitui o “principal exercício da autonomia privada da liberdade negocial” [4], cabendo às partes contratantes estabelecer a maneira em que desejam pactuar.

Com isso, desde que os contratos eletrônicos estejam revestidos dos princípios e pressupostos contratuais previstos no Código Civil, não há argumentos que possam invalidar essa forma de se pactuar, sendo apenas necessário assegurar-se que o tipo de negócio pretendido não requeira formalidade ou solenidade específica (isto é, compra e venda de imóvel acima de 30 salários mínimos), hipótese em que o meio eletrônico não poderá suprir tal exigência legal.

Nesse sentido, as decisões dos tribunais têm sido favoráveis às contratações eletrônicas. Segundo os tribunais, a validade jurídica das assinaturas eletrônicas, tem amparo na Medida Provisória nº 2.200/2001, que normatiza o uso do certificado digital, mediante o gerenciamento pelo ICP-Brasil, diante do que dispõe o §2º, do artigo 10, segundo o qual: “O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.

Outra vantagem na utilização dos contratos eletrônicos reside sobre o seu aspecto probatório, uma vez que os e-mails e as plataformas de assinatura dão toda evidência material da existência de determinada negociação, servindo, na pior das hipóteses, como início de prova [5].

Assim, conforme observado pelo desembargador Cardoso Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível nº 7.339.928-1 (DJe 1/7/2009): “O direito não é uma ciência estática deve sim acompanhar pari passu os intermináveis progressos globais e de sofisticada tecnologia. Assim, não resta a menor dúvida de que o contrato por via eletrônica é mais um passo dessa modernidade que tem de ser aceita pelos mais velhos e sempre aplaudida pelos mais jovens”.

Ademais, há de se reconhecer a equivalência funcional entre os contratos assinados fisicamente e os por meio eletrônico, na medida em que os instrumentos celebrados por meio eletrônico cumprem as mesmas funções que o papel, não sendo razoável ter como inválidos os atos jurídicos só pela circunstância de terem sidos celebrados em meio eletrônico. Quanto a isso, Fábio Ulhôa Coêlho ressalva que: “Do princípio da equivalência funcional decorre a regra de que nenhum ato jurídico pode ser considerado inválido pela só circunstância de ter sido celebrado por transmissão eletrônica de dados. O suporte virtual, em outros termos, não pode servir à invalidação do contrato, porque não aumenta as incertezas apresentada por determinado negócio jurídico” [6].

Portanto, juridicamente não restam dúvidas quanto à segurança e validade dos contratos celebrados e assinados por meio eletrônico. O que ainda faltava era a ampla aceitação e consequente efetivação de tais práticas na seara dos negócios jurídicos, tendo, assim, como sua força motriz o distanciamento social e o trabalho remoto causados pelo novo coronavírus. Mas hoje todos entenderam a necessidade e a utilidade de tal forma de contratação.

[1] A expressão “sociedade da informação”, no singular, seria melhor utilizada, numa dimensão global (ou mundial), para identificar os setores sociais, independentemente de sua ubicação local, que participam como atores de processos produtivos, de comunicação, políticos, econômicos e culturais, que têm como instrumento fundamental as TIC [tecnologias de informação e comunicação] e se produzem — ou tendem a produzir-se em âmbito mundial. (AGUDO GUEVARA, Alvaro, Alvaro. Etica en la Sociedad de la Informacion: reflexiones desde America Latina. Rio de Janeiro: Seminario Infoetica, 2000, p.4).

[2] Direito Civil. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 355.

[3] “É requisito de validade dos negócios jurídicos obedecerem à forma prescrita, ou não adotarem a forma proibida pela lei. A regra é a forma livre”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 362).

[4] Existência, Validade e Eficácia. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 13.

[5] “Embora a forma de contratação eletrônica tenha produzido documento assinado apenas pelo autor, a forma como o contrato foi realizado é válida e prova a existência de obrigações assumidas entre as partes, sobretudo quando corroborado por outros elementos de prova.” (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. TJ-DF: Processo 0015888-49.2014.8.07.0001, relator des. Sérgio Rocha, DJ 26/9/2018).

[6] Curso de Direito Comercial. 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, Vol. III, p. 56.